Friday, June 27, 2008

Repórter Policial

REPÓRTER POLICIAL

Sagaz, persistente e inteligente, tem tudo para conseguir o que se propôs a ser. Durante todo o curso de jornalismo, Luciana dirigira sua atenção e vontade para a crônica criminal e decidira-se: seria repórter policial. Recém-formada, trabalhara como free-lancer e, graças às reveladoras entrevistas e reportagens vibrantes, conseguira uma chance no jornal O Tempo.
Trabalhava numa investigação na periferia de BH, quando conheceu a família de Tânia, Jango e Carlinhos. A aparente calmaria dos três escondia um desencontro total entre marido e mulher. O menino, de quatro anos, arredio e triste, mostrava nas atitudes e no semblante o quão ruim era a relação dos pais.
Luciana, entretanto, só viera a saber do que realmente acontecia na pequena casa suburbana, na sua segunda visita.Voltara numa tarde de quinta-feira, quando Jango estava trabalhando. Com suavidade, conseguiu conquistar a simpatia de Tânia, que partiu para confidências.
—Ele me bate e me humilha na frente de Carlinhos. Estou que não agüento mais. Qualquer dia vou...
—Você já o denunciou na Delegacia de Mulheres?
—Não. Eu mesma vou tomar minhas providências. Ele que me aguarde.
—Olha lá o que você vai fazer. — E ao se despedir, acrescentou: — Se precisar, conte comigo pra qualquer coisa.

Jango chegou bêbado. Começou a xingar Tânia, ali mesmo, na presença do garoto, que se escondeu atrás do sofá. Era apenas o prelúdio do que costumava vir a seguir: tapas, bofetões, correrias. Ela, já preparada, não aceitou nem as palavras nem as ameaças. Armada de uma faca de cozinha, enfrentou o homem.
— Suma daqui. Suma da minha vida. Não quero te ver nunca mais. Vamos, saia já...agora!
Jango, mais assustado com a reação da mulher do que temeroso do uso que ela poderia fazer da faca, tentou argumentar. Mas ela avançou e ele só viu uma saída: a porta da rua. Saiu com a roupa do corpo, sumiu na noite.

No dia seguinte, Luciana atende o celular.
—Ele roubou o Carlinhos! — Era Tânia, desesperada..
—Como é? Não estou acreditando. Me conta direito.
Tânia relata: Carlinhos havia sumido naquela manhã. Ela saíra para fazer umas compras, no mini-mercado ali na pracinha, distante duas quadras de sua casa. Coisa rápida, deixou o menino brincando em casa. Quando chegou, cadê êle? Ninguém deu notícia.
—Já chamou a polícia? — Indagou Luciana.
—Não, eu sei que foi o Jango. O desgraçado roubou o menino.
Vendo que Tânia estava perto de um ataque de nervos, tomou a decisão.
—Estou indo. Me espere. Não faça nenhuma loucura. Dentro de vinte minutos estou aí.

Tânia acalmada, Luciana insiste:
—Vamos à polícia. Se você não quiser ir, me autoriza, eu faço a denúncia.
—Não. Sei que ele vai trazer o menino de volta. Vou esperar...até amanhã....

Luciana parte para uma investigação. Começa a indagar na vizinhança. Vai à loja onde Jango trabalha, não o encontra. Segue pistas, falsas e verdadeiras. Pelas quatro horas, já descobriu tudo o que desejava saber. Telefona para Tânia
—Tânia, já sei... — é interrompida pela voz afobada e ao mesmo tempo esperançosa
—O bandido telefonou. Está com Carlinhos. Quer falar comigo. Marcamos um encontro. Na frente do Palácio das Artes. Às cinco.
—Tânia, quero te dizer... — ouve o clik do telefone sendo desligado.

—Sabia que era você, seu desgraçado! — Tânia vai logo despejando o palavrório assim que vê o marido de pé, na beira da calçada. Inquieto, com as pupilas dilatadas, olhando para os lados.
—Calma, beleza. Calminha. Tou com o menino, sim, e daí?
—Quero ele de volta
—Só digo onde está com uma condição.
—Vai, fala logo, filho da mãe!
—Olha os palavrões. O pessoal tá olhando.
Ela chega bem perto dele, enfrentando-o
—Desgraçado! Onde está Carlinhos? — Bate no peito do homem.
Ele agarra a mulher pelos punhos, tentando aquietá-la.
—Olha, belezoca, só eu sei onde tá o Carlinhos, ninguém mais. E se você quiser ele de volta, tem de me aceitar também. Como antes. Tudo como antes.
Tânia não é mulher de se deixar abater. Fica ainda com mais raiva ao ouvir as palavras de Jango. Puxa os braços, sem conseguir soltá-los. Então, colocando toda a força e o peso de seu corpo, empurra-o. Ele se desequilibra e tomba para fora da calçada. Um ônibus azul chega rente à calçada, aproximando-se do ponto. Não vem em grande velocidade, mas, mesmo assim, não tem como fazer uma manobra, desviando-se do corpo que cai.
O motorista grita, descendo do ônibus:
— Eles estavam brigando. Ele escorregou. Bateu com a cabeça no canto do ônibus. Não pude desviar.
Tânia agacha-se ao lado de Jango. Não chora. Levanta a cabeça ensangüentada. Desvairada, pergunta:
—Fala. Fala logo. Cadê meu filho? — Sente o marido exaurir o último suspiro sem dizer um “ai”.
Luciana chega correndo. Queria chegar antes do encontro dos dois, mas o trânsito, àquela hora, estava infernal. Vira toda a tragédia, desenrolando-se à sua frente, como cenas de um filme passando em câmara lenta. Tragédia que ela pretendera evitar. Se Tânia tivesse escutado, no telefone...
Tânia está em crise.
—Fala, desgraçado. Cadê meu filho? Cadê meu filho? — Soluça alto e esmurra o peito do morto.
Luciana coloca as mãos no ombro da amiga.
—Venha, Tânia. Vamos conversar...
—O desgraçado morreu...sem falar onde escondeu o Carlinhos. Agora, como vou encontrar meu filho? — Passa as mãos sobre os olhos, manchando o rosto com o sangue do marido.
—Calma. Tânia. Venha comigo. Não tive tempo de lhe dizer antes. Venha...
—Só quero saber onde este filho da puta escondeu meu filho. — Grita, desesperada.
—Venha. Eu descobri o local. Quis lhe avisar por telefone. Vou te levar onde ele escondeu o Carlinhos.
Conto # 416 da Série Milistórias
Belo Horizonte, 19.12.2006
Este conto está arquivado na
Biblioteca Nacional-Rio- RJ